Nathalia Matychevicz

Há pouco mais de dois anos atrás eu embarquei em uma jornada única: fui contratada como trainee por uma empresa Indiana pelo período de um ano, e logo aterrizei em Bangalore, cidade apelidada de Vale do Silício da Índia. Eu já tinha muita curiosidade sobre como seria viver naquele país desde meados de 2008, quando em uma tentativa não bem-sucedida, estabeleci contato com uma pousada em Coorg, no estado de Karnataka, que buscava um estagiário em marketing. A oportunidade acabou não se concretizando, mas eu sabia que algo melhor viria depois.

Eu sempre tive uma alma curiosa, e me rendo com frequência aos encantos de outras culturas, em parte pela sede de explorar, em parte pelo fascínio que o desconhecido me causa. Tive a sorte de ter pais que me estimularam a aprender o inglês desde cedo, o que hoje me dá uma grande vantagem em me virar por outros países – e que foi também um fator decisivo pra uma estadia tranquila na Índia.

Cheguei à Bangalore na madrugada de um domingo, em junho de 2011, depois de aproximadamente 28 horas de viagem. Desde a conexão em Frankfurt, onde tomei pela primeira vez um Airbus repleto de Indianos, os hábitos foram se transformando, a começar pela comida – devorei um wrap com chilly sauce que julgava ser um inocente sachet de ketchup. Enquanto eu pedia um copo d’água extra à aeromoça, só pude pensar nas adaptações do meu paladar à terra do curry.

Os 365 dias inicialmente contratados se estenderam para 545 dias naquele país e arredores – a Ásia é um continente que requer muito tempo pra ser desvendado e compreendido, principalmente pela complexidade da sua cultura. Eu dividia apartamento com outros estrangeiros temporários no país, e o nosso lar era um refúgio das buzinas dos rickshaws e do assédio nas ruas. Ser ocidental na Índia não é tarefa fácil, requer paciência, muito punho pra barganha e certo desleixo pro individualismo e privacidade – um desafio numa nação de 1 bilhão de pessoas.

Trabalhei no escritório da mDhil.com, uma startup que na época tinha 7 funcionários e 2 intercambistas que formavam o time. Todos tínhamos o mesmo peso de responsabilidades, e muito do que eu fazia se conectava com os meus estudos em comunicação, pois criava e executava a estratégia de posicionamento digital da empresa em redes sociais, somava esforços para decisões sobre gestão da marca, e discutíamos o nosso produto online. Eu era a única Brasileira da equipe, mas o CEO, a outra intercambista e a produtora de vídeos eram Americanos, sendo todos os demais membros da equipe Indianos.

Foi uma excelente experiência de trabalho em uma cidade que atrai centenas de startups e empresas de tecnologia do mundo todo, como a Zynga, Infosys e Biocon. Bangalore é também uma das cidades na Índia com mais cara ocidental, em grande parte pela comunidade de expatriados que está temporariamente trabalhando ali. Junto com Delhi, Mumbai e Hyderabad, Bangalore é um polo da tecnologia da informação e desenvolvimento de sistemas – um mundo até então completamente novo pra mim.

Taj Mahal | Estudo no Exterior

O meu dia a dia no contexto Indiano era repleto de momentos inusitados, desde ter que negociar o preço da corrida de rickshaw com o motorista, passando pelas vacas que passeiam livremente pela rua, até o desvio dos olhares curiosos. É muito comum ser abordada por homens e mulheres pra que tirem uma foto com você, ou que te peçam para segurar o bebê deles no colo. Pra mim, que me considero reservada, tentar passar despercebida nunca funcionou, mesmo se eu usasse roupas típicas, como as kurtas, e tentasse imitá-los no sotaque carregado do inglês.

Muita gente no Brasil me pergunta sobre o casamento arranjado, talvez por acreditarem que casamento arranjado signifique forçado. É uma prática comum das classes média e alta dedicar tempo e esforço na seleção de um bom cônjuge, e de maneira geral isso acontece passo a passo, primeiro com um filtro do perfil – idade, signo zodíaco, cidade em que nasceu, comunidade religiosa à qual pertence, escolaridade, nível salarial – depois com encontros presenciais, uma espécie de entrevista, tudo sob acompanhamento dos pais. Tanto o homem quanto a mulher pode dizer sim ou não ao arranjo, e conhecer outro(a)s candidato(a)s. Já nas classes populares a decisão costuma ser exclusiva dos pais. Dizer que isso é “forçado”, entretanto, é uma questão do ponto de vista: enquanto no ocidente nós cremos no amor como um acaso do destino, na Índia, eles acreditam que o amor pode ser perfeitamente construído, a partir do casamento, entre dois cúmplices que nunca tinham se conhecido antes. O dote e o casamento de meninas menor de idade são ilegais, mas todos sabem que isso continua acontecendo, especialmente em zonas rurais.

Acredito que o que mais foi difícil pra minha adaptação foi a comida Indiana. Os bravos que dizem “adorar comida apimentada” não conhecem um décimo de quão forte o tempero chega ser, é de fazer suar e anestesiar o paladar dos desprevenidos. Nesse tempo me dediquei a cozinhar meu próprio almoço e sempre aderia aos itens conhecidos do menu: mango lassi (bebida de iogurte), cheese masala dosa (uma panqueca frita dobrada com recheio de batata e queijo) e tandoori chicken (frango na brasa). Virei fã dos incontáveis tipos de chá, aderi à aveia e ao trigo quebrado e reduzi drasticamente as porções de carne vermelha. Cerca de 30% da população é vegetariana, mas o curioso é que não existe o hábito de comer saladas.

As lembranças da Índia me levam às mais distintas paisagens, penso nas águas do rio Ganges e nas praias em Goa, nas largas avenidas de Nova Delhi, no entardecer em Hampi, nas esculturas de Khajuraho e nas curvas do Taj Mahal. A mãe Índia abriga milênios de história e é essencial que o viajante se deixe levar pelo curso da aprendizagem, sem forçar as etapas de adaptação. Hindustan é um destino obrigatório pra quem busca uma experiência desafiante e inesquecível.